sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Soldados do Reino dos Céus, case study, the New Model Army (aviso inicial à população)

Camaradas, sou e continuo a ser Ateu e profundamente anti-clerical (ver posts sobre o tema). Só para ilustrar conto aqui uma pequena estória. O ano passado estudei com um colega dos EUA, ele era Mormón e foi um “Elder” na Rússia em 1999, uma vez a almoçar na cantina disse-me com ar sério e triste “In Russia Comunism Killed God…”, nem imaginem o prazer que tive em ouvir isto, foi das coisas que mais gostei de ouvir em toda a minha vida. À gandas Bolcheviques!

Bom é que eu já sei o que é que a casa gasta, basta fugir um pouco à norma e sair do quadrado pá malta começar a ficar logo à nora e tirar conclusões precipitadas… E, pela última vez repito:
Reino dos Céus não é sinónimo de Cristianismo, nem Cristianismo de Catolicismo, nem do resto das ideologias/organizações que se reivindicam seguidoras de Cristo (Palavra e conceito Grego introduzido por Saulo de Tarso aka São Paulo e não por Jesus de Nazaré). Quem tiver dúvidas reveja com olhos de ver este post…

Outro mal entendido, e este é o sumo do post, tem a ver com a relação entre os ensinamentos do “Reino dos Céus” e o pacifismo. Muita da confusão tem por base esta passagem dos evangelhos:

«Digo-vos, porém, a vós que me escutais: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam. A quem te bater numa das faces, oferece-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, não impeças de levar também a túnica. Dá a todo aquele que te pede e, a quem se apoderar do que é teu, não lho reclames. O que quiserdes que os outros vos façam, fazei-lho vós também.
Se amais os que vos amam, que agradecimento mereceis? Os pecadores também amam aqueles que os amam. Se fazeis bem aos que vos fazem bem, que agradecimento mereceis? Também os pecadores fazem o mesmo. E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, que agradecimento mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, a fim de receberem outro tanto. Vós, porém, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca.»
Lucas 6, 27-35 (também em Mateus 5, 38-48)

DAR A OUTRA FACE?
Mas camaradas, claro que sim, em determinadas circunstâncias, como tudo na vida… Quantas vezes somos ofendidos e atacados e a mais sábia estratégia não é exactamente dar a outra face? Lá porque alguns acham que dei em “fanático religioso” irei me zangar? Não, há é que esclarecer… Muitos conflitos (não todos…) têm por base mal entendidos e equívocos, será lúcido partir logo pá guerra só por causa de um equívoco? Claro que não, há que dar a outra face e esclarecer a situação. Mesmo que por vezes tenhamos de perdoar 70 vezes 7…

AMAR OS INIMIGOS?
Ok, amar pode ser uma palavra forte de mais, isto há que sempre reter um forte sentido crítico em relação a tudo… mas vejamos, antes de mais quem são os nossos inimigos? É que isto é importante, para começar, muita gente sente ódio, inveja e a ataca quem julga ser seu inimigo e na verdade não é. E mesmo que saibamos que estamos perante inimigos, quem objectivamente nos quer mal, não será importante, até decisivo perceber porquê? Perceber se todos os que estão no campo inimigo têm as mesmas motivações, perceber porque escolheram um caminho que os mete em rota de colisão connosco? Sem o mínimo de empatia com o “inimigo”, sem compreendermos que, em última análise, toda a humanidade partilha um importante conjunto de anseios e desejos, torna-se muito difícil metermo-nos “na pele do inimigo”. Pois eu vos digo, para não perdermos a nossa própria humanidade e para conseguirmos triunfar sobre os adversários, o “amor” (vá lá, alguma empatia) pelos nossos inimigos é fundamental.

IMPLACÁVEIS PERANTE AS INJUSTIÇAS, a violência faz parte da vida…
Mas atenção, nada disto implica que sejamos uns tótós que se deixam constantemente humilhar. Aliás, crítico negativamente quem não levanta o braço para defender o seu irmão perante as injustiças e segue o caminho da passividade. Se queremos viver com generosidade e amor ao próximo (lembram-se da peça “Street Car named Desire”, há uma linha fabulosa: “A stranger is just a friend you haven´t met yet”) por vezes temos de ser implacáveis. Quando a tirania e a injustiça oprimem o próximo será sábio constantemente dar a outra face?
Dar a outra face quando se tornou claro que não há equívocos, mas apenas o desejo do controlo dos recursos e da conquista de poder?
E se os Tiranos, os Accionistas, não querem saber das regras minímas de convivência em sociedade; se os Tiranos, os Accionistas só estão interessados no lucro e no poder a qualquer custo; quando os Tiranos, os Accionistas não recuam perante as maiores barbaridades e condenam milhões à fome, ao cárcere, a uma vida de miséria, a dificuldades constantes e uma vida de Brutidão; quando os Tiranos, os Accionistas se banqueteiam no luxo e devassidão, enquanto esmagam os apelos dos que sofrem e por sua causa pouco têm… que deve um “justo” então fazer?

Há momentos na história em que não há perdão para os que por fraqueza, pouca inteligência ou mesquinhes inventam mansas desculpas para a inacção, ou o que vai dar ao mesmo, para se manter a acção, os métodos, que já se viu não darem em nada face á Tirania e ao reino dos Accionistas.

Retomando as citações do evangelho, eis que aqui está uma situação em que o próprio Jesus da Nazaré usa da violência.



Este é um quadro de Rembrant, “cristo expulsa os cambistas do templo”, na Arte há dezenas de diferentes obras que retratam este episódio.

"Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas nos seus postos. Então, fazendo um chicote de cordas, expulsou-os a todos do templo com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas pelo chão e derrubou-lhes as mesas; e aos que vendiam pombas, disse-lhes: «Tirai isso daqui. Não façais da Casa de meu Pai uma feira.»”
João 2, 13-16
"Depois, entrando no templo, começou a expulsar os vendedores. E dizia-lhes: «Está escrito: A minha casa será casa de oração; mas vós fizestes dela um covil de ladrões.» Ensinava todos os dias no templo, e os sumos sacerdotes e os doutores da Lei, assim como os chefes do povo, procuravam matá-lo. Não sabiam, porém, como proceder, pois todo o povo, ao ouvi-lo, ficava suspenso dos seus lábios."
Lucas 19, 45-48
(Já agora, não gosto muito do evangelho de João, é demasiado “religioso” para o meu gosto, é todo ele construído para justificar que Jesus é o filho de Deus, os outros 3 - Mateus, Marcos e Lucas - são numa onda muito mais “histórica”. )

Como vêm o profeta que aconselhou a “dar a outra face”, ele próprio usou da violência contra os cambistas e vendedores… Também lançou um sério aviso e critica às autoridades religiosas e políticas do seu povo , à classe dominante da altura na Judeia…

"Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície! Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos profetas e adornais os túmulos dos justos, dizendo: 'Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!' Deste modo, confessais que sois filhos dos que assassinaram os profetas. Acabai, então, de encher a medida dos vossos pais! Serpentes! Raça de víboras! Como podereis fugir à condenação da Geena?
Por causa disto, envio-vos profetas, sábios e doutores da Lei. Matareis e crucificareis alguns deles, açoitareis outros nas vossas sinagogas e haveis de persegui-los, de cidade em cidade. Assim cairá sobre vós todo o sangue inocente que tem sido derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar. Em verdade vos digo: TUDO ISTO CAIRÁ SOBRE ESTA GERAÇÃO!»
Mateus 23, 27-36
(não me vou alongar, é um tema de debate intenso, mas o que é facto é que caíu mesmo um castigo horrível sobre essa geração, no ano de 70 d.c. o Templo de Jerusalém foi destruído e Israel foi dominada a ferro e fogo pelas Legiões Romanas, Jesus foi cruxificado por volta de 33 d.c.)

Para verem o discurso completo que fez às massas vejam este link. É dos maiores discursos (se não o maior) que fez que estão registados nos evangelhos… para além disso é uma história que está presente nos quatro evangelhos (muitos dos episódios, até dos mais conhecidos, não figuram nos quatro).
Mais uma dica, chamá-los de “fariseus” era dos insultos mais usados por Trotsky e Lenine contra os seus adversários. Porque também eles foram, à sua maneira, Soldados do Reino dos Céus…

SOLDADOS DO REINO DOS CÉUS, houve vários movimentos que se inspiraram nesta mensagem para conduzirem lutas de libertação e de emancipação face à tirania. O Cristianismo primitivo era exactamente isso… Movimentos heréticos ao longo da idade média, a Teologia da Libertação mais recentemente na América Latina… mas o exemplo mais adequado, mais consequente e que ao mesmo tempo mais se ajusta à descrição de “Soldados do Reino dos Céus” são os Levellers e o “New Model Army” que lideraram uma das mais importantes e determinantes revoluções da história…
A Revolução Inglesa, 1640-49
Sabiam que os Ingleses julgaram e cortaram a cabeça ao Rei mais de 100 anos antes dos Franceses? Que durante cerca de 30 anos a Inglaterra foi uma República?
À poix é bébé… isto na história as coisas não aconteçem simplesmente por acaso…

O EXÉRCITO DE TIPO NOVO, em luta para construir o Reino dos Céus na Terra, vá lá… na Inglaterra

O “New Model Army”, que se pode traduzir como “Exército de Tipo Novo”, surgiu a meio da Revolução/Guerra Civil Inglesa. Para algum enquadramento sobre estes eventos determinantes na História Mundial remeto o leitor para este site (Marxista, pois claro, quem mais se daria ao trabalho de presevar esta memória?) e a visualização do documentário que abaixo coloco. O seu autor é uma espécie de “comediante marxista-revolucionário”, aborda a história numa prespectiva e de uma forma bastante diferente do comum, é autor de um livro “Vive La Revolution” sobre a revolução francesa. É espetacular e na mesma linha deste documentário (vejam a palestra sobre o  livro).



É que pouco se fala destes eventos, e das poucas vezes que fala, regra geral, é para chamar fanáticos a estes homens… Como em todos os casos de revoluções triunfantes, desde os Parabolani (vejam o filme Ágora) até aos Bolsheviques, houve excessos um tanto folclóricos… Por exemplo, na altura em que Cromwell governou Inglaterra com o suporte do “Exército de Tipo Novo”, chegaram a proibir as celebrações de natal e as peças de teatro… Mas o que é isso comparado com o fim do absolutismo monárquico, do feudalismo e dos privilégios aristocráticos??? Mas lá está, como dizia o George Orwell, no seu livro 1989, que os Rage tomaram como letra para uma das suas canções: “Who Controls the Past, Controls the Future, Who Controls the Present, Controles the Past”, nem mais…

Fundamental para a criação deste novo exército e triunfo da Revolução foram movimentos como os Levellers, que como o próprio nome indica, pretendiam nivelar a sociedade… Torná-la mais Justa e Igualitária, propuseram até uma constituição altamente avançada para a Inglaterra (mesmo de acordo com padrões actuais). O programa máximo, dos Levellers, não triunfou de forma completa com a queda da monarquia e instauração da república (chamaram-lhe “comonwealth” e depois a Cromwell “Lord Protector”), mas deram um contributo decisivo para que a Ingleterra saí-se do obscurantismo feudal, esta Revolução foi um exemplo para os Patriotas americanos das 13 colónias que 100 anos depois protagonizaram a Revolução Americana… Aliás a declaração de independência e a constituição dos EUA, baseia-se muito no Agreement of the People proposto pelos Levellers… Claro que a Universal e grandiosa Revolução Francesa também foi buscar insparação à sua antecessora Inglesa e muito mais directamente à filha directa da revolução Inglesa, a revolução Americana.

O que mais diferenciou a Francesa das outras foi o seu carácter explicitamente Universalista, é para libertar toda a humanidade e não apenas os Francese, e Secular, a base ideológica da revolução vem dos Enciclopedistas e do Iluminismo laico e anti-clerical e já não na interpretação das mais “luminosas” passagens dos evanvelhos por parte de seitas semi-heréticas protestantes (como eram os Levellers, em grande medida). Por isso é que a Francesa (e não as anteriores) é aquela que quebra definitivamente com as amarras do passado e abre as portas à modernidade…

Para terminar deixo-vos com mais um documentário, é sobre a Batalha de Naseby, esta foi a estreia no terreno do “Exército de Tipo Novo” e foi a batalha decisiva da guerra civil Inglesa, em que finalmente as forças parlamentares partiram a espinha ao exército Realista. Dá a conhecer vários pormenores interessantes.


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