domingo, 28 de junho de 2009

A História dá mergulhos no abismo



Entre as Cartas de Inglaterra do Eça, encontra-se um artigo publicado para o jornal "Gazeta de Notícias", do Rio de Janeiro, em 28 de novembro de 1880. O pretexto era uma petição popular assinada por 300 mil cidadãos prussianos – a que se seguiram dois dias de violentos debates no Parlamento – com a finalidade de excluir os judeus de todas as escolas e universidades e que lhes proibisse de ocupar qualquer cargo público.

Aqui está um excerto:
Mas que diremos do movimento na Alemanha? Que em 1880, na sábia e tolerante Alemanha, depois de Hegel, de Kant e de Schopenhauer, com os professores Strauss e Hartmann, vivos e trabalhando, se recomece uma campanha contra o judeu, o matador de Jesus, como se o imperador Maximiliano estivesse ainda, do seu acampamento de Pádua, decretando a destruição da lei rabínica e ainda pregasse em Colónia o furioso Grão de Pimenta, geral dos dominicanos –, é facto para ficar de boca aberta todo um longo dia de Verão. Porque enfim, sob formas civilizadas e constitucionais (petições, meetings, artigos de revista, panfletos, interpelações), é realmente a uma perseguição de judeus que vamos assistir, das boas, das antigas, das manuelinas, quando se deitavam à mesma fogueira os livros do rabino e o próprio rabino, exterminando assim economicamente, com o mesmo feixe de lenha, a doutrina e o doutor.

Mal sabia o Eça que 50 anos depois algo ainda pior que as fogueiras da inquisição iriam consumir a Europa, muito particularmente a sua população judaica... Mal sabia que "na sábia e tolerante Alemanha, depois de Hegel, de Kant e de Schopenhauer" se cometeriam as maiores barbáries alguma vez cometidas na história de toda a humanidade...
Pelo menos até agora... E esta é a moral desta estória, a História não tem um só sentido, nem um só ritmo... Avança e recua, estabiliza, dá pulos, tem explosões e implosões, por momentos o céu é o limite e noutros a queda é monumental...
A História não está escrita à partida e cabe ao/à Cidadã(o) da República influenciar o seu curso no sentido mais emancipatório e progressista possível.

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