terça-feira, 25 de novembro de 2008

Eleições na Venezuela, um rescaldo...

O nosso "correspondente" em Caracas envia um relato algo melancólico-nostálgico, reflectindo o humor daqueles que em Caracas viram Aristóbolo (candidato do PSUV, ex ministro da educação e histórico militante revolucionário, dos pouco Afro-Venezuelanos com posição de primeira linha na política Venezuelana) perder as eleições para o candidato da oposição... Ainda hoje vou tentar também escrever qualquer coisa dos resultados.

Há mais de uma semana que chove todos os dias. Sei que começou quando fui a casa do Sérgio. Era mais ou menos meio-dia e havia pouca gente na rua. Quando me apercebi que estava perdido começou a chover. Depois, quando maldizia a falta de organização venezuelana no que diz respeito aos topónimos, piseu um caco de vidro de uma garrafa partida que me rasgou a sola do sapato e me fez um leve corte no pé. Mas lá encontrei a casa do Sérgio.

Desde então, não parou de chover. Normalmente, as nuvens carregadas de chuva atravessam as montanhas do Ávila e chocam entre si. Da varanda de casa, vêem-se relâmpagos por toda a cidade. Caracas transforma-se num caos mas em pouco tempo o sol regressa. Por isso, na quinta-feira, decidimos espera-lo enquanto chovia. O Ivan partia no dia seguinte e queriamos comer num restaurante com alguma qualidade. Mas passadas três horas a tempestade não dava trégua. Apanhámos um 'carrito' a cair de podre que não conseguiu avançar mais do que dez metros numa hora. A água subia e decidimos apanhar o metro. Na rua, havia gente com água pelos joelhos. Perto de casa, o rio cresceu numa torrente de lama e porcaria e quase arrancava a ponte. Cheguei a casa com água pelas canelas.

Quinta-feira foi uma tragédia. Em algumas zonas de Caracas, a água arrastou casas e árvores. Houve cerca de 20 mortos. Mas foi uma tragédia nacional porque o mau tempo estendeu-se a várias partes do território. Contudo, o que mais me chocou foi o aproveitamento que as televisões e os jornais privados fizeram do temporal. A três dias das eleições, houve um ataque cerrado e usaram os mortos e feridos para levantar a bandeira da oposição.

O Ivan partiu na sexta-feira de manhã. Caracas ficou um pouco mais triste e vazia. Eramos como amigos de rua. Daqueles que vemos todos os dias e com quem partilhamos o mais importante e o mais estúpido do mundo. Entre o mais importante, passámos tardes inteiras a conversar sobre Portugal, o País Basco e a América Latina. Mas sempre com humor. E o que me espantou foi a sua humildade. Por aqui, conheci muitos estrangeiros que vieram conhecer o processo mas que parecia antes que estavam aqui para que o processo os conhecesse. Ivan não.

Depois de partir, na Coordenadora Simón Bolívar (CSB), baptizamo-lo de 'Comandante Patxaran'. Não porque tivesse qualquer responsabilidade mas porque na noite antes das eleições, em período de lei seca - quando não se pode beber alcool - vários companheiros da CSB enfrascaram-se com uma das garrafas que Ivan ali havia deixado. Pouco depois, às três da manhã, começava a mobilização para as eleições regionais.

No pátio da Casa Freddy Parra, sede da CSB, vários companheiros engatilharam dezenas de foguetes. Às três em ponto, os céus de Caracas explodiam com milhares de rebentamentos. É assim que os bolivarianos despertam os eleitores que começam a votar a partir das seis da manhã. Às quatro, nova rajada de foguetes e desta vez acompanhada por trombetas. Com amplificadores fixos ou com camionetas percorrendo as ruas, soava o toque militar para acordar. Depois, o hino das FARC, do ELN e da Venezuela.

Às cinco, uma hora antes da abertura das mesas, desloquei-me à biblioteca do sector La Cañada, no 23 de Enero. Estava uma dezena de pessoas. Entrevistei algumas delas que me explicaram a necessidade de votar cedo para dar tempo a outros. Uma estação de televisão de uma das zonas mais pobres de Caracas apareceu com todos os seus repórteres vestidos com uniforme militar e com lenços ao pescoço com estrelas vermelhas. Num canto, um homem gritava que estas eleições eram importantes para o país e para o mundo. "Porque este processo vai estender-se por toda a América Latina!". Junto a um muro, havia um jovem cuja cabeça cambaleava ao ritmo do sono. A mãe contou-me que o tinha ido buscar a casa para votar bem cedo. E a pouco e pouco a fila foi crescendo pela Praça Manuel Marulanda. Poucos minutos antes da abertura dos portões pelos militares que os guardavam estavam cerca de 60 pessoas à espera para votar.

Depois segui para outro ponto de votação. Passando pelo mural de Emiliano Zapata, encontrei uma escola primária com uma fila com cerca de cem pessoas. Às seis, quando abriram os portões, uma nova salva de foguetes. Entretanto, ao longo de todo o dia as ruas encheram-se de gente. Às 12 horas, em frente ao Liceu Fajardo, no 23 de Enero, assisti à chegada de Hugo Chávez. Centenas de pessoas esperavam-no ao grito de "Chávez amigo, o povo está contigo". Em todo o país houve uma participação pouco usual. Normalmente, não passa dos 40 por cento. Desta vez, ultrapassou os 65 por cento. Não admira, pois, que tenha havido centros de votação que fecharam cinco horas depois das quatro da tarde, hora oficial de encerramento das urnas. Algo que não agradou à oposição que queria impedir o que está legalmente estabelecido. Os locais, em que às quatro da tarde haja filas para votar, só podem encerrar quando não houver qualquer eleitor.

Mas o sorriso dos pivots do telejornal do canal privado Globovisión não enganavam. Não vinham aí boas notícias e a paciência ia acirrando-se. Aqui, as sondagens à boca das urnas não são permitidas e só se podem difundir resultados depois do comunicado oficial da Comissão Nacional de Eleições (CNE). Por volta das 11 horas, uma representante leu-o e confirmou o que desconfiava. O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e os seus aliados perderam a região de Caracas (Distrito Capital), perderam Miranda e não conseguiram ganhar Zulia. Ou seja, os três Estados mais populados. Contudo, nenhuma análise pode esconder que a maioria absoluta das regiões continuará a ser gerida por governadores bolivarianos. A oposição ganhou seis Estados – Distrito Capital, Miranda, Carabobo, Nova Esparta, Zulia e Tachira – contra os 16 ganhos pelos candidatos apoiados por Hugo Chávez. Em Falcón, onde havia estado um fim-de-semana em Coro, ganhou Stella Lugo, a esposa do actual governador e na região de Caracas o único municipio ganho pelo PSUV foi Libertador, onde vivo e onde se encontra também o bairro 23 de Enero. Por curiosidade, houve mesas neste bastião do processo em que os candidatos bolivarianos tiveram mais de 90 por cento. Numa delas, Aristobulo, candidato do PSUV a governador derrotado, teve 1670 votos contra 8 do opositor vitorioso Ledezma.

Ainda assim, foram resultados amargos. Quando a representante da CNE acabava de ler o comunicado começavam a rebentar foguetes por toda a zona baixa da capital. Os ricos festejavam a vitória dos seus candidatos. Aqui, no dia seguinte, os donos dos supermercados sorriam de alivio. Mais amargo foi quando soube da conquista de Miranda por Radonski. Em 2002, em pleno golpe de Estado, foi quem dirigiu os opositores em fúria no assalto à Embaixada de Cuba. Depois de 160 dias preso, libertaram-no. E ainda dizem que a Venezuela é uma ditadura...

Felizmente, há sempre algo que nos anima. O taxista que nos levou a casa bem nos avisou quando entrámos no carro. "Atenção que sou louco", disse-nos. Depois, explicou-nos quem foi Bolívar, Miranda e Sucre. Cantou-nos Ali Primera e deixou a pergunta "como seria a Venezuela, um país tão rico se tivesse um presidente como Fidel Castro que conseguiu fazer tanto com um país tão pobre?"

2 comentários:

Anónimo disse...

Francisco, de fato a vitória da oposição em estados importantes é significativa. Mas há dados que precisamos considerar, por exemplo: na região de Petare, o chavismo obteve mais de 70% da votação, segundo me consta. Isso denota a continuação da cisão classista. E parece apontar para a necessidade do que as palavras de Chávez fizeram menção: "É preciso fazermos uma crítica lúcida para sabermos por que perdemos em alguns estados e cidades". Mas a vitória do bolivarianismo foi incontestável, parece-me.

Anónimo disse...

O comentário postado foi meu, já escrevendo daqui do Brasil...
Um abraço e parabéns pelo blog!