quarta-feira, 11 de junho de 2008

Uma Luta Exemplar

“Bush é o culpado disto tudo”
Encarregado das obras

“Esta luta é muito justa, devia era parar o país todo! Este governo não vale nada”

Popular entrevistada pela televisão carregando uma garrafa de 5 litros com gasóleo

Sendo dura, é das greves/paralisações que mais apoio popular tem tido, podendo até alastrar a outros sectores. Isto devido ao contexto socio-político e porque se vê que à capacidade de fazer mossa, esta é uma luta, no sentido literal, consequente.
Descreverei alguns pontos neste processo que me parecem importantes.

Numa assembleia dos patrões do sector dos transportadores, sábado passado, a direcção da Associação do Sector (ANTRAM), defendeu uma linha conciliatória, a maioria da assembleia não. Formaram uma comissão e à revelia da direcção marcaram uma paralisação do sector.
Segunda-feira iniciou-se o protesto. Surgiram os famosos “piquetes”, em pontos estratégicos colocados, sensibilizavam todos os colegas para a necessidade de pararem. Conscientes que para terem sucesso (porque não são agitadores profissionais cuja vida é fazer acções mais ou menos simbólicas) tinham mesmo de causar impacto, tiveram uma acção para além da sensibilização, como abordagens mais vigorosas aos colegas, apedrejamentos e ameaças. O que é certo é que a metodologia deu resultados, como aqui já referi, sei em primeira-mão de inúmeros carros e empresas que não saem com medo das consequências.
Os piquetes demonstraram a sua eficácia, é provavelmente o protesto desde o PREC que mais impacto tem no país. Como luta dura que está a ser (para Portugal, porque em Espanha e em França[1] os protestos geralmente são muito mais duros…) já teve as suas vítimas, um morto e dois feridos nas linhas de piquete.
Na terça-feira à noite a comissão que coordenava os protestos chegou a acordo com o governo e Antram e desconvocou a paralisação. Os piquetes disseram não, o protesto continuou. Esta é uma luta conduzida a partir da base, dos activistas no terreno, são eles que decidem o rumo das negociações e os métodos a aplicar, não uma super-estrutura profissional e calcificada, aliás a super-estrutura existente, neste momento está completamente desautorizada. Como li num Blog:

Se fossem estruturas sindicais a coordenar a acção, a sua disciplina e dinâmica centralizadora dificilmente permitiriam os excessos violentos que têm vindo a ocorrer.

Concordo com a frase, só que falta o reverso da medalha, não seriam permitidos os “excessos”, mas muito menos seria uma luta com o monumental impacto que está a causar!

O deputado do PCP Agostinho Lopes hoje no parlamento dizia “O governo não se incomodou com 200 000 trabalhadores na rua em protesto, é preciso para o país totalmente por seis dias para tomar atenção”, ÓBVIO!

Uma coisa é certa, as empresas de transportes podem até não conseguir tudo o que queriam, mas de certeza (como já hoje se viu do resultado das negociações entre governo e Antram) vão ver muitas das suas reivindicações escutadas. Que são resultados bem melhores dos que a CGTP tem para apresentar aos trabalhadores[2]... Claro que tudo isto tem custos, que o digam os Piqueteiros, com antes referi, um morto e dois feridos, mas lá está para se ganhar como eles vão ganhar tem de se estar disposto a pagar o preço.
Os movimentos sociais, sobretudo os sindicatos, têm duas grandes lições a tirar com este protesto dos Patrões (com amplo apoio dos trabalhadores do sector):
- Democracia de base, discussão em assembleia, direcções eleitas em assembleia em torno de propostas e para coordenar acções específicas. Não podem ser os funcionários sindicais a debitar e a malta passivamente a ir atrás, e a ser travada quando quer ir mais longe;
- Travar lutas que afectem, de facto, a vida quotidiana, uma greve uma manifestação tem de causar impacto não só pelo número de aderentes, mas pela capacidade de por entraves ao “normal” decorrer da vida social.

E devido a estes acontecimentos tenho adiado o meu texto sobre o Agora e Aqui, mas digo o seguinte, cada vez mais urge dar saídas, cada vez mais é necessário polarizar forças em torno de um programa mínimo de urgência:

- Manutenção do Estado Social, como garante do bem-estar mínimo da população e garantindo acesso Universal a bens essências, Saúde, Educação, Segurança Social, Água e Segurança;
- Intervenção do Estado na Economia, nomeadamente em sectores estratégicos como a Energia, é urgente re-nacionalizar a GALP e EDP, ainda para mais neste momento esta é uma proposta passível de ser apoiada pela maioria social do país;
- Reestruturação do sector produtivo e dos transportes de forma a se garantir a sustentabilidade ambiental e conseguirmos responder ao desafio que é o fim do petróleo barato;
- Dignidade ao Trabalho, propostas como esta última da UE, de se trabalhar 65 horas por semana são para esquecer!
- Política externa Anti-Imperal;
- Fomento da Democracia nos campos social, económico e reforço no plano político (incluindo reformas nas actuais instituições da democracia, possibilidade de um referendo revogatório a meio da legislatura parece-me bem).

Por um fórum das esquerdas e movimentos sociais que construam uma plataforma para romper com a crise e o centrão dos interesses instalados!

Camaradas Alerta! Temos de nos por muito finos!

PS 1– Houve quem ficasse ofendido com a minha denominação de certas linhas de pensamento como sendo Nacionais-Totosistas, logo os seus protagonistas como Nacionais Tótos, mas um pouco mais de seriedade e humildade na análise dos argumentos alheios não ficava mal.

PS 2- Um pequeno reparo para que não haja confusões, quando digo que a luta é exemplar não me refiro às causas invocadas e caderno reivindicativo, refiro-me à forma operacional de como tem decorrido.

[1] Em França após a II Guerra fuzilaram 30 000 colaboradores, em Portugal a seguir ao 25 de Abril prenderam meia-dúzia de PIDE que depois deixaram fugir…
[2] Não sou anti-CGTP, acho até uma peça fundamental no xadrês da luta político-social, mas as metodologias utilizadas são francamente desajustadas para os tempos que correm e poderia ser muito mais polarizadora na construção de um movimento social abrangente contra as políticas de Sócrates.

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