segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Por Sintra pensando nas Rainhas da 2ª Dinastia, uma história Épica de Revolução, Glória e Decadência



Este é o Palácio Nacional de Sintra, ultimamente passei por aqui umas quantas vezes, ao contemplá-lo, relembrei-me sempre da Dinastia de Avis, a segunda dinastia...
Foi durante esses 200 anos, 1385-1580, que Portugal se fez ao mar (e à terra...) e construiu a primeira rede que uniu os 5 continentes, fomos "nós" os primeiros a unir e por em contacto permanente e simultâneo Europa, África, América, Ásia e Oceânia... O que, obviamente, mudou completamente a história da humanidade... Não é, definitivamente, coisa pouca.



Bem, isto vem tudo a propósito de um livro que li à pouco tempo, "As Avis - As Grandes Rainhas que Partilharam o Trono de Portugal na Segunda Dinastia", fui  inclusivé, à sua apresentação (a autora é minha prima, tudo tem uma explicação...) e gostei do que lá se disse, que foi muito além das estórias das rainhas... Para começar eram 4 mulheres na mesa e discutiu-se o papel que as mulheres jogaram ao longo da história e nos dias de hoje...



Não farei uma crítica literária (mas já agora, aqui têm uma entrevista dada pela autora), mas o livro é riquíssimo em informação e dá uma visão panorâmica de 200 anos de história que moldaram o futuro da humanidade de uma perspectiva que não é a mais comum... Portanto o que me ocorre é...

Filhos da Revolução


Antes de mais convém não esquecer como começa esta história, D. João I, é um bastardo irmão de D. Fernando, o rei que deixou o Reino nas mãos da sua mulher (Dona Leonor), uma Castelhana que ia entregar o país a quem de direito, o Rei de Castela...
Só que o Povo de Lisboa tinha outros planos, parte da nobreza mais baixa também não estava lá muito satisfeita com o negócio e os mercadores também não... Vai daí e o poder caiu na rua! (e ainda bem!!!)

A coisa começa com  D. João I, à altura "O Mestre", pouco depois conhecido como "O Messias de Lisboa", a assassinar o Conde de Andeiro, depois disso a populaça entra em alvoroço e irrompe a fúria popular!!! Uma das vítimas é o Bispo de Lisboa que é atirado da torre da sé (um castelhano q n devia ser nada boa peça...)!!!
Pelo Alentejo e em muitas cidades acontecem estórias semelhantes... resumindo, depois disso, em Lisboa há uma assembleia popular e é nessa assembleia que o "Mestre" é nomeado pela populaça como "Defensor do Reino", no dia seguinte há uma assembleia de notáveis da cidade, estes hesitam em dar tão ousado passo, mas um tanoeiro avisa-lhes que ou nomeiam o "Mestre" defensor do reino ou pura e simplesmente não saem do edifício vivos... é um forte incentivo e assim começa a história que acaba connosco a "unificar" todo o mundo.

Avançando... o Bastardo tornado Rei pela populaça acaba por conquistar a sua legitimidade no campo de batalha e pelo respeito do povo. Escolhe para se casar uma princesa Inglesa, Filipa de Lencastre, dessa união nasce a "Ínclita Geração"



É um casamento saudável, que dá origem a gente saudável e é o início de uma epopeia de proporções épicas,  todo o Reino "frutifica". Há muitas dúvidas sobre os painéis de S. Vicente, mas é certo que muitas das personagens desta história estão lá retratadas, mesmo que não se saiba exactamente, quem é quem.
O que é certo, também, olhando para os painéis (estão no Museu de Arte Antiga) é que eles representam uma gente, como ei de dizer... vê se que é uma malta à altura do momento histórico que viviam, é malta com ar sábio, forte e generoso...

Aliás Filipa de Lencastre é a única Rainha que acaba por desempenhar um papel positivo nesta história, as restantes ou fizeram mal, ou muito, muito mal à Nação...

Consanguinidade, Traição e Inquisição
Depois de D. João e Dona Filipa, o "Dark Side" começa a exercer a sua influência e conjugam-se vários factores:

- A Castela Imperial aqui tão perto começa a exercer o seu efeito polarizador, é por estas alturas que a Península Ibérica finaliza o caminho para a unificação... Aragão e Castela unem-se por casamento (os famosos Reis Católicos), o reino Muçulmano de Granada cai finalmente... Portugal, em 1500, é a única parte da península que não está sob o jugo dos vitoriosos Reis Católicos... Portanto primeiro factor, a dinâmica fortíssima de unificação da península...
- Outro factor é o lento recuperar do poder dos grandes senhores Nobres... que sofreram um rude golpe com a Revolução de 1383-85 mas não foram eliminados...
- A nível de Casamentos Reais, após a nobre Inglesa o resto das Rainhas são todas Aragonesas, Castelhanas e Austro-Castelhanas (e uma ou duas da alta nobreza portuguesa)... o que no fundo é um sintoma dos factores que aqui enunciei, mas que por si só, vai exercendo uma pressão altamente perniciosa nos destinos do Reino de Portugal...

É que D.Duarte casa-se com uma Aragonesa, ao mesmo tempo Aragão e Castela já estão na rota da reunificação... Quando D. Duarte morre repete-se, um pouco, a história de 1383-85, a viúva é que supostamente deveria tornar-se a regente... Mas o Povo e as gentes da cidade, as saudáveis forças vivas da nação, não estão para "papar grupos" e quem se torna regente é D. Pedro, irmão de D. Duarte e um dos membros da Ínclita Geração. Mas a viúva não para de intrigar e conspirar... ela e claro, os grandes Nobres... Quando D. Afonso V já é homenzinho a reacção contra-ataca... Em 1448, apanhado quase à traição, as forças da grande Nobreza derrotam as forças do Infante D. Pedro na batalha de Alfarrobeira... O próprio D. Pedro é morto na batalha... é um rude golpe na causa popular... E as forças derrotadas em 1383-85 em parte são vingadas...



D. João II, o príncipe perfeito,  é o último "herdeiro da Revolução", tenta fazer face à força dos "grandes" apoiando-se nos "pequenos" e no processo de centralização do estado... em grande medida é bem sucedido e o último e decisivo impulso na expansão maritimó-comercial portuguesa é dada por ele!
No entanto, perde a última batalha, a da sucessão, D. João II pretendia que fosse o seu filho bastardo D. Jorge a suceder-lhe no trono, mas a mulher, a grande Nobreza, tem outro candidato, o primo direito do Rei (e irmão da Rainha Leonor), D. Manuel...


Com D. Manuel temos o triunfo final do "Dark Side", mais uma vez casa-se com uma Castelhana-Aragonesa e sabem qual foi uma das cláusulas do contracto de casamento???
A INSTAURAÇÃO DA SANTA INQUISIÇÃO EM PORTUGAL!!!


Pois é, com a ascensão de D. Manuel ao trono a alta nobreza vê o seu poder reforçado e Castela ganha terreno... Desta vez não houve levantamentos populares que defendessem o Bastardo D. Jorge, as forças vivas da nação estavam fracas e a Santa Inquisição é mais uma estocada violenta, são milhares de cidadãos empreendedores que são caçados, queimados na fogueira e expulsos. Os Holandeses que os receberam agradeceram...


A História é ingrata e acaba por ser D. Manuel, o afortunado,  a colher os frutos mais maduros e suculentos semeados pelo Tio D. João II  e pela geração que fez a revolução de 1383... Mas D. Manuel renega exactamente o que lhe deu esses frutos, purifica o reino com a Inquisição, quando tinha sido exactamente a "Lisboa de muitas e desvairadas gentes" que tinha dado o impulso vigoroso e criativo à expansão Portuguesa pelo Atlântico fora... Casa-se com uma herdeira do Trono Castelhano... e o reforço do poder central acaba por ser orientado para dar "tachos" à nobreza parasitária...  No auge da riqueza e expansão além-mar, o futuro da nação já estava minado e hipotecado...


Uma coisa que ainda não referi é que tantos casamentos com Castelhanas, Aragonesas ou mulheres da alta nobreza Portuguesa acabam por ter outra implicação, é que isto tornou-se um ciclo vicioso e fechado em que primos casam-se sucessivamente uns com os outros... São filhos de primos, que são filhos de primos que se vão casando uns com os outros... a partir de certa altura a probabilidade do resultado destes casamentos ser minimamente sadio decresce vertiginosamente...
Decadência e Queda









Só para terem uma ideia, D. João III e D. Catarina de Áustria têm 9 filhos!!! 9... e vêem nos morrer a todos, alguns por acidentes, mas muitos eram autênticos débeis... O herdeiro do trono aparece in extremis filho de um desses 9 que ficaram pelo caminho... Depois do que foi a saudável "Ínclita Geração", filhos da Revolução, filhos de um Bastardo, os resultados que a "pureza" nobiliárquica tem para apresentar é um jovem cheio de problemas e enfezado, D. Sebastião de triste memória (o cognome é meu) ...
Este jovem enfermo, delirante, estéril, é o resultado da conjugação das forças que acima referi... o "Dark Side" cava a sua própria sepultura... Este é o resultado do somatório da obsessão pela "pureza", do predomínio da alta Nobreza, do abafamento e repressão sobre as forças populares e do progressivo ascendente Castelhano sobre o Reino... 


Gostava muito de assuntos de guerra e a expedição que lidera a Marrocos é o "Estado da Arte" da altura em termos de armamento, o exército que leva para o Norte de África é uma espécie de exército modelo... mas esqueceu-se do mais importante... Que a Guerra é a continuação da política por outros meios (ok, ainda Clausewitz não tinha aparecido, mas já tinha idade e dever de conhecer Maquiavel!!!)

o que conseguiu foi nada mais nada menos do que a unificação de Marrocos sob um único líder muçulmano e o seu exército modelo foi desbaratado em Alcácer Quibir pelas forças muçulmanas combinadas...







Como resultado desta aventura delirante o trono cai no colo de Filipe II de Espanha, I de Portugal... 
(Outro resultado muito negativo, talvez o mais negativo, é algo que ainda persiste na psique colectiva nacional, o "mito sebastianista", essa ideia altamente idealistó-reaccionária de um ente que vem não se sabe bem de onde envolto em névoa e que nos há de salvar a todos... enfim, o mito do paizinho que nos há se salvar a todos das nossas próprias fraquezas e defeitos...)


Mas vejam lá!!! Ainda há um bastardo que tenta salvar a honra do convento (benditos bastardos pá...), ainda há o mínimo de dignidade na nação! António, Prior do Crato, tenta montar a resistência à avalanche Castelhano-Austríaca-Habsburguiana, expulso do Continente é nos Açores que ainda consegue opor resistência e obter algumas vitórias!


Mas o Império, o Império... era irresistível e a verdade é que a corja Nobiliárquica estava rendida ao ouro Imperial e alguns mais ingénuos chegaram a pensar que a União Ibérica poderia ser um bem para os próprios interesses Portugueses, nomeadamente para a defesa das possessões Portuguesas espalhadas pelos 5 continentes... Estavam enganados, embora não seja assim tão simples, o que é facto é que foi o grande Império a sugar os nossos recursos, muito mais do que nós a servirmo-nos do grande Império para defendermos os nossos interesses...
Caso paradigmático é o da Armada Invencível... Para que raio é que interessava a Portugal participar na pretendida invasão do Inglaterra??? Mas parte significativa dos navios que compuseram a Armada Invencível eram  Portugueses, e de Invencível a Armada não teve nada... A nata da frota portuguesa perdida ao serviço do grande Império na sua ânsia de controlo total... no final tiveram o fim que mereciam!


Portanto, quando hoje em dia uns quantos lunáticos se lembram de propor a "União Ibérica" penso sempre na nossa história, é que já tivémos a União Ibérica e o que é que aconteceu??? Portugal transformado numa possessão periférica de um grande Império cujos recursos são sugados para defender interesses que não são os nossos. À poix é bébé...
Quem defende isso sabe pouco de história, quem defende isso devia prestar mais atenção a um sábio ditado popular, um sábio ditado que o meu falecido Avô por vezes mencionava,  um sábio ditado que é um corolário adequado para esta história:

"De Espanha nem bom vento, nem bom Casamento"


Mas ainda mais importante apelo e lição a tirar desta história toda tem a ver com aquela boca reaccionária, ou melhor, aquele bicho papão que a reacção costuma agitar "ai que o poder vai cair na rua!..." Meus amigos, Camaradas, nem havia Portugal se o Poder não tivesse caído na Rua! E os nossos melhores momentos são, exactamente, fruto do poder ter caído na rua! Em 1383, em 1820, em 1910, no 25 de Abril de 1974!!! 

No fundo a grande e maior conclusão desta história é tão simplesmente:

Viva o Poder Popular!!! 








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