quarta-feira, 23 de julho de 2008

Eça de Queiroz - 1847, 1880, 2008.

Eça de Queiroz, nas "Ccartas de Londres, Crónicas de Inglaterra" falava da guerra dos ingleses no Afeganistão, e mais uma vez se vê como há uma constância dos interesses geostratégicos na região que se mantêm e que têm justificado as sucessivas intervenções militares, de desfecho sistematicamente negativo. Se nada mais nos resta, saboriemos as palavras sábias e irónicas do Eça:

Em 1847, os Ingleses - por uma razão de estado, uma necessidade de fronteiras científicas, a segurança do Império, uma barreira ao domínio russo da Ásia...- e outras coisas vagas que os políticos da India rosnam sombriamente retorcendo os bigodes - invadem o Afeganistão, e aí vão aniquilando tribos seculares, desmantelando vilas, assolando searas e vinhas: apossam-se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem do serralho um velho emir apavorado; colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado nas bagagens, com escravas e tapetes e logo que os correspondentes dos jornais têm telegrafado a vitória, o exército, acampado à beira dos arroios e nos vergéis de Cabul, desaperta o correame e fuma o cachimbo da paz... Assim é exactamente em 1880.

A esse tempo, precisamente como em 1847, chefes enérgicos, messias indígenas, vão percorrendo o território, com grandes nomes da pátria, de religião, pregam a guerra santa (...)
E quando por ali aparecer, enfim, o grosso do exército Inglês, à volta de Cabul, atranvacado de Artilharia, escoando-se espessamente por entre as gargantas das serras, no leito seco das torrentes, com as suas longas caravanas de camelos, aquela massa bárbara rola-lhe em cima e aniquila-o. Foi assim em 1847 é assim em 1880. Então os restos debandados do exército refugiam-se em alguma das cidades da fronteira, que ora é Gasnat ora Candaar (...)
E de tanto sangue, tanta agonia, tanto luto, que resta por fim ? Uma canção patriótica, uma estampa idiota, nas salas de jantar, mais tarde uma linha de posa numa página
de crónica.

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