terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Que se passa na Venezuela? (IV)

Continuação do texto "Revolução? Bolivariana? O fenómeno Chavista e o socialismo do século XXI"

Desafios

Contudo, todas as rosas têm espinhos e o fantasma populista não nos abandona tão facilmente. Primeiro, é verdade que a Revolução acaba por estar muito dependente da figura do seu líder, que por muitos é idolatrado como um santo, de forma quase mística. A inexistência de movimentos sociais sólidos aquando do início do processo, não sendo responsabilidade da direcção bolivariana pode condicionar as suas acções. A vontade de seguir em frente e aprofundar o processo com uma base social muito dispersa, pode resvalar numa obediência cega ao líder providencial e produzir uma deriva autoritária até agora não manifestada.

Segundo, o aparelho de estado ele próprio, não sei se sustentará as medidas, nomeadamente as missões que têm vindo a ser implementadas, correndo-se o risco de muitas delas não passarem de medidas had oc, que não alterem, de forma sustentada, a natureza das relações sociais e económicas de forma a eliminar o flagelo da miséria e a posição subordinada de grande parte da população. Mesmo assim, nada poderá ser como dantes na Venezuela…

Terceiro, a própria flutuação do preço do petróleo pode condicionar as políticas seguidas.
Mas a política não se faz com as condições ideais, faz-se com as que a realidade fornece e a inexistência dos referidos sólidos movimentos não pode ser desculpa para a inacção. Existindo uma forte vontade de mudança latente na maioria da população não existia organização ou objectivo político que polariza-se essas forças de forma a conseguir-se operar uma transformação. Ora, o projecto bolívariano deu resposta a esse vazio político e foi capaz de polarizar forças suficientes para desencadear o impressionante processo de transformação social que decorre na Venezuela e alterar, de forma determinante, a relação de forças. Para essa polarização ser possível a própria figura de Chavéz foi decisiva e ainda é. Acaba assim por ser uma vantagem e não um handicap, ela só se torna potencialmente perigosa na medida em que o próprio processo é bem sucedido e ao se prosseguir a estratégia revolucionária esse potencial perigo é atenuado, uma vez que implica a criação de organizações sociais (movimentos, partidos…) fortes e bem enraizadas no tecido social. A recente decisão de criar um partido que una todas as correntes bolivarianas, vem exactamente nesse sentido.

Se nos lembrarmos da História descobrimos que todos os movimentos, revolucionários ou reformistas, que produziram transformações radicais na sociedade acabam por gerar e ser conduzidos por líderes míticos, Lénine também tinha os seus altares (literalmente), as grandes revoluções socialistas do nosso século todas geraram os seus ícones, de Ho Chi Min no Vietnam a Fidel Castro em Cuba, o movimento pelos direitos civis teve Martin Luther King e o que dizer de Ghandi????
Porque, aqui, as palavras polarizar e focar são decisiva... Por maior descontentamento social e vontade de empreender acções radicais que exista se não existirem um ou dois objectivos facilmente identificáveis e elementos polarizadores da acção (e aí os símbolos, incluindo os líderes são essenciais, mas também a existência de movimentos minimamente disciplinados) pode-se até conseguir abalar, por vezes derrubar o governo existente, mas não substituí-lo por um novo tipo de poder, basta olhar para o que se passou na Argentina em 2001, no Maio de 68, ou com a Revolução Espanhola[1].

A existência, por si só, de partidos organizados e com tradição de esquerda, no mínimo radical-reformista, apoiados por fortes movimentos sociais, também não significa que uma vez atingido o poder consigam operar alterações significativas na vida social, económica, política. Os recentes eventos no Brasil e Itália são paradigmas disso mesmo. Daí o papel central que joga a táctica e estratégia política nos caminhos que a História toma, para o bem e para o mal.

A questão da transformação do aparelho de estado é decisiva, mas é também de difícil resposta, aliás nenhum movimento por mais revolucionário e por melhor estratégia que tenha tido deu a este problema uma resposta totalmente satisfatória, não há soluções ideias, há as melhores possíveis ou as menos más, uma vez ao leme as hipóteses de falhar são muitas, mas pior é deixar outros a conduzir o barco...
Há duas questões decisivas aqui a fazer, primeiro, é se dadas as circunstâncias as decisões tomadas pela direcção da Revolução bolivariana têm sido as mais consequentes com os objectivos a que se propôs[2], se têm contribuído para a alteração da relação de forças? Se há quem ache que não, pergunto-me então porque é que em mais nenhum lado se conseguiu fazer tanta diferença... Segundo, qual deve ser o papel dos Revolucionários face ao processo e à sua direcção? E aqui autonomia e pensamento crítico não são certamente sinónimos de desconfiança complacente....

[1] Neste sentido vale a pena reflectir sobre influência da morte de Durruti no desenrolar da Revolução Espanhola
[2] “La revolución es un instrumento para lograr fines mayores: la independencia, el desarrollo integral, el progreso social, el desarrollo de una nueva sociedad”.
Hugo Chavez, Activación de la Planta Termoeléctrica “Pedro Camejo”,Valencia, Edo. Carabobo; 21 de marzo de 2006

Sem comentários: