segunda-feira, 23 de abril de 2007

25 de Abril

Aproveito esta altura para reeditar um texto escrito por mim, pelo David e pelo Pato, acerca do 25 de Abril, foi publicado naquilo que julgo ter sido a última edição do Rastilho, Pasquim dos jovens do PSR...


O 25 de Abril de que não nos falam


Só há liberdade a sério quando houver
liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir

Sérgio Godinho, Liberdade

Mais um 25 de Abril, já lá vão 27 anos de democracia e comemorações, no entanto que democracia é esta em que vivemos?

Quem olhasse um pouco para o passado certamente não deixaria de admirar-se com uma situação no mínimo caricata. Como é que um povo que sofreu tanto com a ditadura do Estado Novo, que lutou tanto para obter o direito a eleições livres e democráticas, encara muitas vezes esse direito como uma obrigação? É que não são raras as vezes que a Comissão Nacional de Eleições apela ao voto não tanto como um direito, mas mais como um dever. As razões para esta inversão do discurso são claras – há um nítido afastamento entre os cidadãos e os representantes que estes elegem, e a comprová-lo nada melhor que os elevados números que ultimamente se têm registado na abstenção (preocupante é que grande parte dessa abstenção ser composta por jovens).

Será que estamos condenados a viver neste clima de apatia e conformismo, numa democracia que todos os dias definha um pouco, em que somos autênticos espectadores de um big brother político? Na nossa opinião não, aliás nem sempre foi assim...

O 25 de Abril não foi propriamente uma parada militar em que pouco tempo depois se passou, num clima de cravos e abraços, para um parlamentarismo estéril, tal qual hoje o conhecemos. Os factos contam outra história, após 48 anos de ditadura, de censura, de tortura e perseguições, em que uma meia-dúzia de famílias decidiam o destino deste país, o 25 de Abril foi a alavanca que impulsionou um enorme Movimento Popular que surpreendeu o próprio MFA (Movimento das Forças Armadas).

Durante um ano e meio houve uma ampla participação política de tod@s, inclusivamente o futebol era relegado para segundo plano. Isto porque neste período as pessoas sentiam que eram elas que construíam a sociedade em que viviam. Por mais estranho que hoje possa parecer, nessa altura quem não tinha casa, fez o que o bom senso mandou, ocupando casas vazias. Formaram-se comissões de moradores, ocuparam-se palacetes e até clubes de ténis para se transformarem em creches e colectividades. É nesta altura também que surgem as cooperativas de habitação. Após a fuga d@s latifundiári@s para o exterior (Brasil e Espanha sobretudo) com as terras por cultivar, dá-se o fenómeno das ocupações de herdades e posterior criação das cooperativas. No sector financeiro e em muitas indústrias o estado central, sob a pressão dos trabalhadores, nacionaliza estes sectores após a fuga de capitais e dos patrões para o estrangeiro. Na maioria dos casos a gestão passou para as mãos das comissões de trabalhadores.
No entanto, muita gente não achou piadinha nenhuma ao facto de ser “o povo quem mais ordena”. Com este panorama social vão entrar em choque três modelos de sociedade antagónicos. A democracia popular, o modelo dos países de leste e a democracia representativa tal como hoje a conhecemos.

Este conflito agudizou-se ao longo do tempo, de um lado aqueles que defendiam o poder popular (no fundo o sinónimo de democracia, Demos/povo Cratos/poder), ou seja tudo aquilo que é de interesse da comunidade é decidido por essa comunidade e portanto defendiam o aprofundamento do poder das comissões de moradores e trabalhadores e das assembleias nos quartéis, levando a reboque (embora com muitos atritos) aqueles que queriam transformar Portugal em mais um satélite da União Soviética. Do outro lado estavam desde os saudosos do Salazarismo até alguns ditos “socialistas” defendendo um estado de coisas muito semelhante ao que temos hoje.

Este combate foi visível nos atentados bombistas do MDLP (movimento terrorista de direita, que tinha como guru Spínola), da FLA e FLAMA (movimentos independentistas dos Açores e da Madeira com ligações à CIA) e na destruição das sedes de inúmeros partidos de esquerda verificada no norte do país e nas regiões autónomas. Ou por outro lado, no cerco ao Patriarcado de Lisboa e ao 1º Congresso do CDS realizado no Porto, no assalto à embaixada de Espanha contra a ditadura Franquista realizado por grupos de extrema-esquerda. O próprio parlamento chegou a ser cercado pelos trabalhadores da construção civil em greve a que se juntaram membros de cooperativas do Alentejo e forças populares.

Este conflito acabou por ter o seu desfecho no 25 de Novembro, a esquerda militar que dava cobertura às acções do Movimento Popular foi derrotada e com essa derrota arrastou o próprio Movimento. As terras foram devolvidas aos latifundiários, as comissões de trabalhadores perderam o seu poder e salvo raras excepções as comissões de moradores não existem... Portugal tornou-se numa democracia ocidental, versão chunga, à imagem de uma França ou Alemanha engravatadas...

Águas passadas não movem moinhos, mas as presentes muito menos. E há no mínimo que pensar se as actuais regras da sociedade são as que queremos e se é possível alterá-las, ou construir outras completamente diferentes. Por enquanto, citando José Mário Branco, (...) e sempre que Abril aqui passar dou-lhe este farnel pró ajudar..., e assim damos um farnel quando defendemos uma reforma fiscal que redistribua a riqueza de forma justa (Portugal é o país da Europa em que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é maior), quando lutamos por um emprego com direitos contra o trabalho precário, ou quando defendemos o inconformismo, a participação e a honestidade, contra a apatia e a actual política espectáculo, abstencionista e demagoga!

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