quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

O que se passa na Venezuela?(I)

Em dezembro do ano passado comecei a escrever um texto sobre o fenómeno Bolivariano, pois sinto, que mesmo entre " malta de esquerda" o fenómeno é discutido de forma demasiado despreocupada e leviana. Ainda não o concluí, se bem que a maior parte já esteja escrita. Decidi ir publicando-o por partes...



Revolução? Bolivariana?...

O Fenómeno Chavista
e o socialismo do século XXI

Porquê falar nisto

A nossa quarta conclusão é a de que a política concreta, aquela que afecta a vida de milhões e milhões de cidadãos, é refém dos interesses do capital financeiro. Os governos, mesmo os de correntes moderadas, têm revelado a sua incapacidade para romper com esta realidade. Compete a quantos têm clara consciência disto lançarem, nos seus países e solidariamente, as bases de uma nova política que relance a esperança num mundo melhor.[1]

A missão traçada pelo povo venezuelano e o governo revolucionário que lidera o presidente Hugo Chávez não se conclui com as transformações institucionais e a implementação faseada de um modelo de desenvolvimento alternativo. Trata-se de consolidar a revolução política, social, económica e cultural, para assim acabar com o modelo do capitalismo selvagem e favorecer a criação colectiva de uma sociedade verdadeiramente democrática, solidária, sustentável e soberana, centrada nos valores nacionais e da América Latina, os ideias bolivarianos, a justiça social e os direitos humanos efectivos.
É por isso que avança a transformação das relações de poder e a autodeterminação cultural, política e económica do nosso povo em transição intuitiva ao novo socialismo do século XXI
[2]

Sorrateiramente... Sem ter sido convidado... De início quase ignorado, quer pelo estado-maior do império, ou nos debates do movimento alterglobalista, “el processo”, o processo revolucionário bolivariano, de há uns tempos para cá parece que entrou definitivamente nos cálculos de todos quantos desejam travar o pesadelo neo-liberal e reconstruir um caminho alternativo, socialista, para o mundo. De facto, relendo a passagem acima transcrita do documento fundador do bloco, que outro fenómeno tem de então para cá, lançado mais bases de esperança numa nova política que rompa o ciclo a que temos estado sujeitos???

A quase 20 anos de distância da queda do muro, no início de uma nova era em que se anuncia a destruição do estado social, em que se relegitima a tortura como método de investigação policial e a lei do mais forte impera sem máscaras na política internacional, a reconstrução de alternativas ideológicas, sociais e políticas ao sistema dominante é mais do que necessária, determinante, para vencer a barbárie, o irracional, que cada vez mais invade todos as áreas da sociedade.

Passado o banho maria dos anos 90 em que o fim da história foi decretado, eis que ela regressa na alvorada deste século já com algumas coisas para contar: da blitz krieg rumsfeldiana engolida nas areias do deserto da babilónia e repelida pelas montanhas da fenícia, ao redespertar rubro da américa latina, e à redescoberta que mesmo aqui ao pé, logo depois dos pirinéus, o povo organizado é capaz de derrotar propostas de destruição do trabalho com direitos e de dizer não, por mais bem empacotada, explicada, defendida por sábios e todos os partidos da situação, a esta Europa que nos querem impor neo-liberal.
Isto para não falar de outros exemplos um pouco menos empolgantes, Lula(PT) lá e Bertinoti(RC) cá, ambos com um bom pedigree de esquerda, apoio de fortes movimentos sociais, mas políticas um tanto ou quanto insatisfatórias para o volume de expectativas que foram gerando antes de se porem ao leme do aparelho de estado (sendo verdade que estes partidos devem ser julgados não apenas pelo desempenho no destino mas também pelo que fizeram ao longo do caminho)... O chamado movimento anti globalização teve o seu apogeu em Génova[3] e os Fóruns são isso mesmo, fóruns, o que não é nada pouco, mas não produzem por si só política e movimento capaz de alterar a relação de forças.

I think it will be useful if the Global Justice movement—and there are many different strands in it—came and saw what’s going on here. What’s the problem? Go into the shantytowns, see what the lives of the people are, see what their lives were before this regime came into power. And don’t go on the basis of stereotypes. You cannot change the world without taking power, that is the example of Venezuela. Chávez is improving the lives of ordinary people, and that’s why it’s difficult to topple him—otherwise he would be toppled. So it’s something that people in the Global Justice movement have to understand, this is serious politics. It’s pointless just chanting slogans, because for the ordinary people on whose behalf you claim to be fighting getting an education, free medicine, cheap food is much much more important than all the slogans put together.[4]

Alterar a relação de forças, alargar os limites do possível, eis os pontos centrais na estratégia política dos que, como nós, se confrontam com poderes vastamente superiores e hostis. A experiência Venezuelana é um exemplo de como isso é exequível. De como é possível, nomeadamente: eliminar a iliteracia; universalizar os cuidados de saúde prestados; fazer frente ao império, às suas guerras de domínio pelo médio oriente ou à tentativa de dominação económica da américa latina através da ALCA. E “não só resistir” mas contrapor, dar saída, dar alternativa, contra a ALCA com a ABAL, contra a miséria e continuísmo as Missões e uma Quinta República. A Revolução Bolivariana não apenas anuncia, concretiza. Para além disso, determinante na avaliação que faço do governo venezuelano, da direcção política da Revolução Bolívariana, é a sua preocupação contínua e vincada com o empowerment da população, acima de tudo daquela que sempre foi excluída do processo de tomada de decisões públicas, da preocupação em fomentar a democracia participativa/directa para além do jogo parlamentar e de criar órgãos de poder popular. Neste virar do século o governo Venezuelano, o fenómeno Chavista foi o que deu origem ao mais consequente, palpável e com provas dadas[5] desafio à ordem Imperial/Neo-liberal.
O objectivo deste texto é lançar um pouco de luz sobre este original processo, demasiadas vezes analisado de forma superficial e preconceituosa. Conhece-lo melhor é importante para enriquecer a nossa discussão acerca dos rumos do Bloco, do país e do mundo, conhece-lo melhor é determinante para construir um pensamento crítico sobre as organizações que pretendem derrubar o Império e dar uma resposta socialista à ofensiva neoliberal.


[1] Começar de Novo
[2] As Missões Bolivarianas Ministério da Comunicação e Informação do Governo Bolívariano da Venezuela.
[3] Os gigantescos protestos na primavera de 2003, antes da invasão do Iraque, não podem ser consideradas como, apenas, uma manifestação do fenómeno alter-globalização.
[4] Tariq Ali em entrevista a 22 de Julho de 2004 a Venezuelanalysis.com
[5] desde as conquistas socias à superação das várias tentativas de desestabilização lançadas pela reacção, incluindo um golpe de estado!!!




Os pontos seguintes são:

Breve Historial
Desde já duas conclusões
Piratas das Caraíbas, o Eixo da Esperança
Populismo
Desafios
Revolução?
Notas finais

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

O Mundo em Guerra

Era este o título de uma famosa série documental acerca da II Guerra Mundial, por enquanto as possibilidades da emergência de uma III são do domínio de astrólogos e videntes, no entanto, a incerteza, os conflitos, a ameaça de retrocesso civilizacional são marcas do nosso tempo.


A segunda guerra marcou o fim de uma era de instabilidade, a era da catástrofe nas palavras de Eric Hobsbawm, que se havia iniciado em Agosto de 1914 com o deflagrar da primeira guerra mundial. Os anos 20, 30 e 40 foram anos de guerra, emergência de fortes correntes socio-políticas radicais, com visões e objectivos antagónicos, o centrão político, que dominou o final do século XIX, o liberalismo "bem educado" típico da "belle époque", colapsou. Os velhos equilíbrios eram insustentáveis, ao mesmo tempo que nenhuma alternativa conseguiu ganhar força para se impor.
O Anarquismo como corrente organizada portadora de um projecto emancipatório para a humanidade foi varrido na triste guerra/revolução espanhola.


O Comunismo irrompeu em cena nesse vitorioso grito de rebelião que foi a Revolução Russa, no entanto não conseguiu romper o cerco, resistiu, mas pagou o elevado preço da subversão estalinista... Foi (e em que medida continua a ser é um tema para um longo e frutuoso debate) , de qualquer das formas, o chapéu de chuva sob o qual se abrigaram todos os mais importantes movimentos que lutaram em prol do progresso, justiça e liberdade. Os instrumentos intelectuais do marxismo postos ao serviço de partidos, movimentos de libertação, sindicatos, etc... foram determinantes na mudança de relação de força entre oprimidos e opressores, na eficácia com que muitas lutas foram travadas contra o Império e classes dominantes.




Mas nem só de esperança foram esses tempos, antes pelo contrário, uma sombra tenebrosa ameaçou todo esse período os fascismos, a direita ultra-conservadora e anti-liberal ganhou campo, sobretudo na Europa... Em 1941, poucos adivinhariam que esses demónios receberiam um golpe quase fatal ( o nosso querido portugal e a vizinha espanha, foram as tristes exepções...). Isto para não falar das artes, do surrealismo e dadaísmo ao modernismo, para não falar do crash da bolsa e da grande depressão...

Foi preciso a Grande Guerra, a segunda em 20 anos, para se conseguir um novo equilíbrio... ONU, acordos de Breton woods, Well fare state, a Guerra tornou-se fria... A história, como os nossos tempos demonatram à saciedade, nunca para, tudo é dinâmico, o processo de descolonização formal, as revoluções tropicais muitas vezes associado a esse processo (Vietnam, Cuba...), enfim... Mas, de facto, foram anos de estabilidade, crença na modernidade e progresso, foram anos em que o sistema mundial dominado pelo conflito entre dois pólos tinha estava formal e informalmente "regulado".

Essa já não é a era em que vivemos... A previsibilidade de uma vida ao abrigo do "Estado de Bem Estar", o chamado modelo social europeu, está sob fogo cerrado. As rédeas do poder em Washington estão nas mãos de uma clique de fanáticos religiosos, cleptocratas e sob o manto da "guerra ao terrorismo" e "propagação da democracia" esconde-se, cada vez com o rabo mais de fora, o tenebroso "Plano para um novo século Americano". Por outro lado, muitos dos que combatem o Império já não o fazem sob a capa de uma ideologia moderna (no sentido quase filosófico da palavra) e universalista mas antes refugiam-se no regresso à tradição e ao sectarismo. O milenarismo puro e duro ganha força (veja-se o caso do exército do Mahdi no iraque, literalmente o exército do messias...). O misticismo e a irracionalidade vão conquistando terreno à Razão.
A Ásia, sobretudo a China, depois de 200 anos na periferia da história vai reconquistando a sua centralidade... A Globalização, em que capital e conhecimento nunca circularam tanto, mas em que ao mesmo tempo também se erguem muros para separar, fisicamente, a humanidade, veja-se o muro entre EUA e México, na Palestina, a caça ao Imigrante no mediterrâneo... Nunca se viu um mudo tão complexo, interligado, no entanto tão desfasado, os desafios não se confinam aos problemas político-socias (embora todas as soluções tenahm de passar por esse campo), o colapso ambiental ameaça a nossa civilização e a nossa própria sobrevivência enquanto espécie.







É para melhor conhecer as teias com que se cosem os nossos tempos que este Blog existe, pretende ser um contributo para a análise e reflexão em torno das esperanças e pesadelos com que vivemos e todos os dias vão surgindo. Acima de tudo pretende dar a conhecer fontes ricas e alternativas de informação para ajudar a referida análise e reflexão. Os problemas e novidades são tantos e em tantas áreas que é impossível abarcá-los a todos, a escolha aqui é a de dar especial enfoque à luta contra o Império sediado em washington, aos movimentos que contestam a sua hegemonia e que produzem os resultados mais palpáveis. Nesse campo a onda de "Poder Popular" que varre parte da América latina, encabeçada pela República Bolivariana da Venezuela e a guerra que assola o médio oriente do Afeganistão à Somália, passando pelo Iraque, Líbano e Palestina merece especial destaque.